domingo, 30 de novembro de 2014

O que nos incomoda nos modifica.

Quando criança eu não sabia que o Kiko, a Chiquinha, o Nhonho e o Chaves eram crianças, mas achava estranhas suas roupas. Tampouco entendia o Seu Barriga, Dona das Neves e Popis serem as mesmas pessoas que Nhonho, Chiquinha e Dona Florinda e ficava torcendo pra esses primeiros aparecerem junto com os segundos. Eu era pequena demais quando comecei a ver Chaves, pra mim as coisas ainda eram literais. Hoje percebo o brilhantismo disso: Colocar adultos pra interpretar crianças! Dizem que o povo só gosta de porcaria, mas quando percebo com que grau de brilhantismo ideias tão simples se tornaram tão populares, noto o merecimento da comparação de Bolaños com Shakespeare. Chorei e sorri com Chaves. Acho que grande parte da compaixão que aprendi foi com a comoção com a situação daquela criança, que passava fome, mas era educado por todos.
Mas não era apenas o artista que eu admirava. A pessoa dele ganhou minha admiração quando ele disse que sempre tomou o cuidado de não fazer piadas com raças, religiões ou mulheres e que a Chiquinha era propositalmente a mais esperta nas brincadeiras. Hoje, isso soaria muito inoportuno, mas na década de 1970 e com tal sutileza, acho que prova que Chaves realmente era algo de vanguarda e eterno, ou seja, um clássico. O que nos incomoda nos modifica.

sábado, 29 de março de 2014

Sobre o politicamente correto

Sobre o politicamente correto

Se não faz sentido, discorde comigo, não é nada demais...
Capital inicial

Numa dessas discussões intermináveis de Facebook sobre polêmicas sociais recebi alguns comentários taxando como “sensibilidade exacerbada” das pessoas diante de uma propaganda explicitamente machista. Para tal, respondi que não conseguia ver como negativa uma profunda e séria mudança de postura sobre as questões de grande relevância para a evolução da humanidade. Qual não foi a minha surpresa quando li uma reafirmação da noção de que isso era sim, negativo, justificando que reconhecer a discriminação nas palavras da propaganda da referida loja de roupas para mulheres de Teresina era uma forma de deixar as emoções dominarem, ou seja, abandonar a razão com possibilidade de cometer uma injustiça em nome do “politicamente correto” e deixando a entender que as piadas do “politicamente correto” eram hipócritas e que se autorizavam em nome do mesmo, quando tentávamos unicamente mostrar a fragilidade da propaganda.

Algo profundamente curioso é que em momento nenhum o comentador negou o machismo da propaganda para, assim, justificar seu argumento. Ele simplesmente responsabilizou os homens e mulheres que se ofenderam, acusando-nos de “sensíveis”! Mas o que me chama atenção nesse tipo de comentário é que a pessoa obviamente sabe que este é um mundo segregado, a tirar pelos outros comentários que fez exemplificando outras minorias que não as mulheres. Ele critica que as pessoas se tornem sensíveis demais a essa segregação, dando pouca relevância ao que gerou a indignação das pessoas. Quer dizer, “seja motivo de gozação, mas não se ofenda porque foi piada”. A pessoa ataca as supostas falhas na minha fala com um discurso essencialmente injustificável. Piada ofende. Algumas piadas são exatamente o exemplo da injustiça. A comédia sempre falou nada mais, nada menos, que da condição humana em suas contradições. Eis uma das bases do que entendemos como engraçado. Mas humilhação não é engraçado. A discriminação não foi menor porque foi em forma de propaganda ou piada, ao contrário, ela foi massiva.
Mas o que me obrigou a escrever esse texto foi o uso pejorativo do termo “politicamente correto”.

É graças ao politicamente correto que estou sentada confortavelmente em frente a um computador, alfabetizada e não amontoada com outras pessoas em alguma senzala. Como mulher, negra, filha de pobres, é por causa do politicamente correto que eu tenho hoje meu registro profissional. Porque as pessoas lutaram nesse país pelo politicamente correto, posso dizer essas ideias sem que as pessoas da minha família sejam acordadas no meio da noite e tenham nossa casa revirada... pelo próprio governo! E me sinto especialmente tocada por essa questão porque a minha profissão foi especialmente perseguida durante o governo militar nesse país, e seu ensino tirado das escolas. E nós paramos? Não. Não fiz parte daquela geração que ajudou a tornar insustentável o aquele estado de coisas politicamente degradante, mas faço questão de não estar imóvel sabendo que muito ainda tem que ser melhorado, extinguido, transformado, e por isso digo nós.

Se me perguntarem se tenho algum problema com o politicamente correto, direi sem dúvida que NÃO. Para mim, o politicamente correto deu condições de vida digna para a maioria das pessoas. Não falo de tornar a sociedade mais rica ou coisa assim. Falo de algo muito mais essencial como dar direitos aos trabalhadores que derramavam seu suor dezesseis horas por dia em uma firma. E tem mais: o ideal não é que as mulheres não precisem se ofender com essas atitudes, mas que elas não aconteçam por não haver razão de ser. Lutamos é pelo dia em sejam bizarras essas propagandas, mas isso não virá sem remarmos contra a maré. E o fato de a maré estar cada dia mais a favor irrita alguns.

Dizer que as minorias exageram não é apenas mentiroso, é pretender convencer de que as pessoas que tentam tornar a vida dos brasileiros um pouco mais cidadã, são as vozes da opressão. Essa tentativa é inútil, e ridiculariza quem a faz, pois todo momento político tem questões a serem elaboradas pela própria sociedade. Ela implica tomar as exceções pela regra e tentar deseducar querendo tornar menor o sofrimento, claro, dos outros, que é sempre mais brando.
Se alguém me disser que emoção impossibilita a racionalidade humana, tornando o ser incapaz de criar, gerar conhecimento e melhores condições sociais, vou dizer que essa pessoa não conhece a si mesmo, nem a forma como sua espécie se desenvolve. Pois vou contar uma novidade: o mundo em que moramos já tomou como sérias e racionais as pessoas que se comovem com as mazelas sociais. Ironicamente, muitos dos povos considerados muito racionais por alguns, especialmente pela mídia, são os mesmos que diminuíram suas desigualdades, criminalizando a sua prática, e tendo a pensar que não fizeram isso por que os discriminados ficavam felizes e passivos diante da discriminação.  E o pior, quem pode dizer que essa discriminação sumiu lá? Isso justifica parar de se ofender com ela?

Quando trabalho para sensibilizar as pessoas sobre as questões de gênero não faço nenhuma questão de que deixem de lado seus sentimentos, nem quando ensino teorias, que quase sempre é o mesmo trabalho. Apenas os psicopatas agem sem emoção e isso ainda é relativo. Politicamente as coisas DEVEM ser corretas.

Mas infelizmente, criminalizar as minorias é próprio do processo histórico. Na época da proclamação da república existiam os imperialistas, na época da abolição da escravatura existiam os escravistas. Hoje os manifestantes são chamados de vândalos e existem os que pensam que se pronunciar contra uma piada machista é irracional. 

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Seja feminista



Se você me perguntar se sou a favor do direito das mulheres (direito das mulheres, que coisa mais doida de se dizer!), da igualdade dos gêneros, da não violência contra vulneráveis, da igualdade salarial e de oportunidades de emprego, claro que vou dizer sim e levantar meu bloquinho de anotações. Mas se me perguntar se sou feminista, vai sair um vacilante: Não exatamente. Isso já causou polêmica entre minhas amigas que mais admiro. Admiro justamente pela capacidade argumentativa de discordarem de mim e dizer: Você é, sim, Dai! Como pode não ser? Simplesmente respondo seguinte: Não é porque estudo Antropologia que sou estruturalista ou funcionalista. Não é porque sou formada em Ciências Sociais que sou positivista. É uma analogia pra dizer: eu gosto, eu leio, isso me ensina, mas isso tem data, atores, personagens, contexto... e limites. Digo apenas para mim mesma, e dessa vez num exercício introspectivo e não para responder ou discordar delas, que o feminismo é apenas uma das possibilidades. Da mesma maneira que aprendi com os movimentos intelectuais que mencionei acima, aprendo a cada dia com o feminismo, sem me deixar tomar por ele. “Ser”.

Dica: é exatamente por isso que estão deixando de falar em identidades. É o movimento tomando banho de lagoa e saindo refrescado.
Também se aprende por comparação e por diferenciação. Feminismo é responsável por grandes vitórias, por grandes avanços na cultura. Os mesmos avanços que levaram a escrever isso hoje. Mas o próprio feminismo reconhece que esses avanços na maioria das vezes aconteceram numa conjuntura em que era insustentável manter a ordem das coisas. E essa ordem deu um jeito de sobreviver de alguma forma, sorrateira ou não, diante no novo quadro. Muitas vezes coube a ele documentar e não executar. Porque é – ou esteve – ciência e ela também faz isso num eterno retorno com a sociedade.

Não, gente, eu não perdi a aula que diz que os termos vão além de seu significado imediato. Isso ao invés de me tornar feminista me faz ter mais cautela ainda com seu uso. Dá pra perceber como me dizer feminista seria negar algumas coisas que aprendi com a própria leitura do feminismo? É essa complexidade que eu levanto.

Deixo de dar exclusividade ao feminismo quando penso sobre a teoria antropológica como um todo, que sempre levou a sério a questão de gênero, mesmo antes de Mead, Jean Scott e Judith Butler escreverem seus textos célebres. A filosofia, a história e outras fazem isso desde sempre. Aí você me esbofeteia: Você só fala de Antropologia. E eu digo baixinho, sendo arrogante: Quem lê feminismo não lê só antropólogos, mas sempre lê Antropologia ali. Falando nisso, o parentesco é um relato também das relações sexuais, emocionais, matrimoniais e tal. O próprio conceito de gênero hoje é criticado e “esvaziado”, que é como os pesquisadores chamam algo que não explica o que as pessoas da vida comum depõem. Os movimentos intelectuais, incluindo o feminismo, estão em mudança e isso é tão óbvio quanto bonito. Mas estaria prestando um desserviço a quem eu gosto deixando as pessoas pensarem que os estudos sobre o amor dos gays, mulheres e lá vêm os termos, seguem apenas essa linha. “Ah, Dai, mas é difícil pensar em relações amorosas, sexualidade (e a infinidade de termos) sem fazer isso numa perspectiva de gênero”. Mas tem gente próxima (no Piauí, em Teresina, na UFPI, no CCHL) se aventurando por esse caminho, viu? Aliás, se você perguntar para alguns/algumas – não todxs, ainda bem – teóricxs vulgarmente conhecidos como “de gênero” se são feministas, vão olhar pra você em silêncio, entortar o pescoço, dar um sorrisinho e procurar por alguns segundos a melhor forma de responder.

Eu tenho uns vinte argumentos científicos pra provar meu ponto, mas eu achei chato ler alguns dos textos, imagine quem veio dar só uma espiadela. Tem muito mais de onde veio essa recusa em vestir a carapuça, mas o espaço é pouco e a paciência de quem lê também. Basta lembrar que preciso aprender feminismo pra poder ensinar algum dia. Mas ó, por mais arrogante que esses comentários sejam, é por deixar de lembrar isso às pessoas que pensam que eu digo que não SOU feminista por crítica apenas – o que seria perfeitamente aceitável. E não, isso aqui não é neutralidade, é justamente um posicionamento, uma intromissão. Como estudante, eu preciso fazer esse papel blasé e olhar toda a linha do tempo, considerando o que vem depois do feminismo. Isso faz de mim uma aluna, e em última instância me posiciona na história.
Resumindo: ainda que tenha muito de feminismo na minha formação ele não pode ser a única chave teórica e prática. Seria falar de equação sem mencionar igualdade. Pior, sem mencionar a incógnita. Não é que algo me diga para não ser. É que nada me obriga a ser.

Nesse sentido digo apenas que eu e minhas companheiras estamos em linhas de raciocínio diferentes, com objetivos semelhantes. Não é injustiça falar de um feminismo acadêmico porque mesmo a militância se orgulha de que ele seja fonte de discussão “intelectual”. Ele é a prova viva de que existe correlação entre teoria e prática. Mas é injustiça eu assumir um feminismo porque nesse oceano eu apenas molho o pé. É por ser questionada que amanhã poderei editar esse pensamento. A constante reformulação é meu trabalho. É o que me manda de volta pra linha do tempo do pensamento ocidental e me faz imaginar o que será amanhã. E isso me dá mais que amigas, me dá pessoas que me enriquecem, que me tornam mais descrente do ser humano e assim mais investigativa. E elas sabem que isso é minha paixão.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Vertigo

 
Quero falar de uma das grandes características dessa cidade, a altura. Aqui do nível do mar, a metros da Marina da Glória, a altitude é baixíssima, claro. Mas o que me impressiona é a sensação de que as pessoas dqaqui em um determinado momento pensaram: Não há morro onde eu não possa subir. E então a população dessa cidade deu um jeito de conquistar os cumes das pedras. Fico pensando que formações geológicas muito loucas encheram essa área de água e de pedras gigantes. Quando decíamos de avião, Juci me pediu pra olhar pela janela aquelas ilhotas e lagos... Então quando vi a água misturada com a terra e as montanhas entendi que havia chegado novamente. Morro é modo de falar. Pra uma desinformada em Geografia como as elevações aqui não são do terreno, mas parece que pedregulhos gigantes foram jogados por todo o território maravilhoso. Eu sempre digo que essa cidade é um sucesso turístico porque junta as coisas que muitas cidades diferentes oferecem: é ao mesmo tempo praiana, urbana, florestal e montanhesca.
E nós turistas deslumbrados - alguém pode se acostumar com isso? - ficamos sorrindo feito criança ao desvendar as alturas. Sei que essa região é apenas uma parte do Rio, um Rio de Janeiro para inglês ver, mesmo que muitos cariocas e não tão cariocas morem e trabalhem aqui, mas sei perfeitamente porque eles lotam isso aqui ano após ano.

Notícias do mundo de cá

 
"Ando tão a flor da pele, que qualquer beijo de novela me faz chorar"
 


Dizem que as viagens, especialmente as longas, são um exercício de autoconhecimento. Pois bem, algumas coisas eu aprendi sobre mim e sobre os Outros também. Esses 11 milhões de outros que são os paulistas. Vamos lá:

- Eu sou uma pessoa do calor e espero fazer todas as viagens importantes da minha vida, aquelas que eu possa planejar, para locais quentes. O frio me paralisa.

- Ô, povo da comida gostosa, esse.

- A mesma universidade que permite que os alunos usem drogas no prédio das aulas é a que tem professores muito rígidos na sala de aula. E eu nem ia notar isso se não tivesse ouvido de uma aluna alemã.

- Eu sou uma pessoa do silêncio. Definitivamente, estar em quietude é deixar o meu eu aflorar e isso é radicalmente diferente de ser ou estar triste. Aliás, silenciar é parte importante do meu trabalho e eu sinto assim que me encaixo mesmo no que faço.

- Certa vez eu disse ao Fabiano: Problema é que não tem doutorado em Teresina. Para o que ele respondeu: Essa é a solução. Eu não esqueci.
 
- São Paulo é sempre um lugar de nó na garganta pra mim. Quando estou aqui, as lágrimas ficam sempre nas pálpebras, a espera de qualquer música, foto ou cena comovente para se derramarem.


- Costumo dizer que essa é uma cidade agressiva. Eu ainda acho (e a alemã também). Mas tem uma coisa louvável nas pessoas daqui. Elas amam São Paulo. Os paulistas e paulistanos dificilmente falam que querem morar em outro lugar. São Paulo é um local de atração e eu não entendo bem o motivo de tamanha paixão por parte de alguns nordestinos e pessoas de outros lugares, até outros países. Talvez seja porque os de fora geralmente veem a casa pelos olhos dos donos, e isso é uma crítica, teresinenses. Todas as pessoas daqui que conheço sentem que estão no lugar mesmo que irão envelhecer.

- São Paulo, ao contrário do que se pensa, é uma cidade relativamente arborizada e isso me encanta. A união de sombra, vento frio e planta daqui é única. Disse acima que não entendo a paixão das pessoas porque costumo me encantar com paisagens. Sendo assim, os jardins daqui são a coisa de que mais gosto.

- Não saber em que rua o ônibus vai entrar a seguir é libertador.

- Em parte, algo em mim comemora não vir morar aqui e outra parte lamenta. Comemora pelo inverno que não vou sentir e lamento pelas palavras do querido professor Francisco Júnior ao saber que eu vinha pra cá tentar terminar minha formação: Acho que todo brasileiro deveria passar um tempo em São Paulo, morando.

Sendo assim, termino com palavras de Game of Trones: Que os Outros te levem.

Mas eu, não. Meu lugar é Teresina.


terça-feira, 18 de setembro de 2012

Culto Afro - Fisioterapia

Pois bem, a Julianne está em semana de formatura e sua turma realizou um culto belíssimo, juntamente com a casa São Cosme e Damião (se estiver errado me corrijam). Como foi a primeira para os formandos, para os convidados e para os anfitriões, ainda não foram instituídos muitos protocolos. Com certeza, a forma como a turma e o espaço realizou será exemplo para as futuras solenidades que abarquem essa parte tão bonita da diversidade religiosa do Brasil.























quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Se um verbo me define, acho que é pensar

É melhor eu recomeçar a postar. Reaprender a expor os raciocínios que mais parecem um tranze e que quando percebo, já se concluíram.